As crianças vão ficar bem ou precisam de um pai?

Em momento nenhum nos ocorre pensar que a figura do pai é dispensável ou irrelevante! Ousaria até dizer que a maioria das mulheres heterossexuais, que ponderou esta escolha, passou anos à procura de um companheiro que pudesse ser um pai desses numa família que construíssem em conjunto. Um pai afectuoso, dedicado e presente é uma benção e um pilar insubstituível na vida de qualquer criança. Já um pai ausente ou negligente, nem por isso.

E se o papel do pai na vida da criança pudesse ser cumprido por outros membros da família? A família está a mudar. A realidade é que as crianças hoje em dia podem crescer em famílias constituídas por pai e mãe; mas também por pai, mãe, padrasto e madrasta; por dois pais e filhos; duas mães e filhos; entre outros formatos, incluindo mãe e filhos. O papel tradicionalmente atribuído ao pai não é transmitido geneticamente através do cromossoma Y – mesmo numa família de composição tradicional é frequente encontrar-se inversões de papeis tradicionalmente atribuídos ao homem e à mulher, e/ou transferências de papeis para outras pessoas na família alargada. A investigação evidencia claramente que, à excepção da lactação, não existem competências parentais exclusivas ao género (1). Os estereótipos do pai como figura do disciplinador, aquele que resolve os problemas e que brinca e da mãe como figura que nutre, cuida e oferece segurança, não são factos da natureza humana, são apenas estereótipos. A ciência não encontra evidência nenhuma que o género dos pais tenha impacto no bem-estar das crianças (1). Silverstein e Auerbach concluem, após análise social e comparação inter-cultural e inter-espécies, que nem a figura da mãe nem a figura do pai é essencial ao desenvolvimento da criança (4).

Silverstein e Auerbach consideram que a figura do pai responsável pode estabelecer-se dentro de uma variedade de estruturas familiares (4). Já Jane Mattes assinala que é importante que os filhos ou filhas de uma mãe solteira possam sentir-se confortável e à vontade com ambos os sexos e experienciar sentirem-se amados também pelo sexo masculino, que a criança tenha na sua vida uma figura masculina afectuosa que escolha ser parte da sua vida (2), que pode ser um tio, um amigo da família, etc. É preciso uma aldeia inteira para educar uma criança, como advoga Hillary Clinton (3).

A realidade é que a ciência tem demonstrado que as crianças filhas de mães que escolhem ser mães solteiras parecem ser tão felizes e saudáveis como as outras (2). Murray e Golombok avaliaram filhos de mulheres que escolheram ser mães solteiras via inseminação artificial por dador, tendo concluído que esta via de maternidade não parece ter efeitos adversos, quer nas capacidades parentais das mães, quer no desenvolvimento psicológico da criança (5). Golombok, Zadeh e Smith chegaram a conclusões semelhantes num estudo do ano passado sobre mulheres que escolhem ser mães solteiras: quando se eliminam outros factores de risco, não há diferenças em termos da qualidade parental das mães (à excepção do nível de conflito entre mãe e criança, que é menor nas famílias das mães que escolheram ser mães solteiras), nem problemas no desenvolvimento das crianças (6).

Um mulher escolhe ser mãe solteira porque sente que a sua idade, responsabilidade, maturidade e emocional e capacidade financeira  vão permitir-lhe ser uma mãe competente e que, por isso, a sua decisão é eticamente legítima (7). A ciência confirma que estas mães têm uma capacidade parental igual à das outras mães e que as crianças têm um desenvolvimento psicológico normal (1, 2, 4, 5, 6). As crianças vão ficar bem.

M.

(1) Biblarz, T; Stacey, J. (2010). How Does the Gender of Parents Matter? Journal of Marriage and Family 72 (February 2010): 3 – 22, DOI:10.1111/j.1741-3737.2009.00678.x
(2) Mattes, Jane (1997). Single Mothers by Choice, a guidebook for single women who are considering or have chosen motherhood. Three Rivers Press. New York
(3) Clinton, H. (2006) It Takes a Village. Simon & Schuster. New York
(4) Silverstein, L.; Auerbach, C. (1999). Deconstructing The Essential Father. American Psychologist, Volume 54, Number 6 (June 1999)
(5) Murray, C.; Golombok, S. (2005). Solo mothers and their donor insemination infants: follow-up at age 2 years. Human Reproduction Vol.20, No.6 pp. 1655–1660, 2005
(6) Golombok, S.; Zadeh, S; Smith, S (2016). Single Mothers by Choice: Mother–Child Relationships and Children’s Psychological Adjustment. Journal of Family Psychology, Vol. 30, No. 4
(7) Bock, J. (2000). Doing the Right Thing? Single Mothers by Choice and the Struggle for Legitimacy. Gender and Society, Vol. 14, No. 1, Special Issue: Emergent and Reconfigured Forms of Family Life. (Feb., 2000), pp. 62-86.

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